em 18 de abril de 2025 por Francisco Paiva Jr.,
Prevalência de Autismo nos EUA 2025 - 1 em 31

CDC aponta 1 em 31: prevalência de autismo nos EUA aumenta novamente; Brasil pode ter 6,9 milhões de autistas

Francisco Paiva Jr.
CEO da Tismoo e editor-chefe da Revista Autismo

Mais uma vez, os números cresceram. A prevalência do transtorno do espectro do autismo (TEA) nos Estados Unidos é agora de 1 em cada 31 crianças de 8 anos (3,22% da população), segundo o mais recente relatório bienal divulgado pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA). O estudo científico, divulgado oficialmente em 17 de abril de 2025, analisou dados de crianças nascidas em 2014, abrangendo 16 regiões dos Estados Unidos (5 a mais que nos anos anteriores), e apresentou uma prevalência superior à do estudo anterior, de 2023, que havia indicado 1 em cada 36 crianças (2,78%). Vale destacar ainda que “prevalência” não significa necessariamente que houve mais casos novos de TEA, mas sim que mais pessoas foram identificadas, diagnosticadas.

Com a nova prevalência, uma projeção equivalente para o Brasil indica que o país poderia ter atualmente cerca de 6,9 milhões de pessoas autistas, considerando a população brasileira atual estimada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 212,6 milhões de habitantes.

Homens x Mulheres

A relação entre o número de homens e mulheres com diagnóstico de autismo continua diminuindo. Neste estudo, o CDC apontou uma proporção de aproximadamente 3,4 homens para cada mulher diagnosticada com TEA, em comparação à proporção anterior de 3,8 para 1, indicando um avanço importante na identificação do autismo entre meninas, historicamente subdiagnosticadas.

Grupos étnicos

Outro destaque relevante do estudo foi a prevalência entre diferentes grupos étnicos. As prevalências registradas foram: asiáticos (3,82%), negros (3,66%), hispânicos (3,30%) e brancos (2,77%). O fato de pessoas brancas agora apresentarem uma prevalência menor não invalida a relação entre acesso e diagnóstico, mas reflete que a curva de diagnóstico precoce já se estabilizou para esse grupo, enquanto outras populações ainda estão numa curva ascendente. Segundo especialistas, o aumento constante na prevalência reflete especialmente o maior acesso à saúde e à informação sobre o transtorno do espectro do autismo (TEA). Um forte indício disso é que o crescimento nos diagnósticos tem ocorrido majoritariamente entre as populações negra e hispânica nos EUA. O CDC atribui, por exemplo, a alta prevalência na Califórnia (5,31%) a “uma política pública local, com centenas de pediatras treinados para triagem e encaminhamento precoce”. Outro fator relevante apontado no estudo é o acesso à cobertura de saúde para terapias voltadas a crianças autistas, como ocorre no estado da Pensilvânia, que tem políticas públicas específicas para tal.

‘Autismo de 20 anos atrás’ continua em 1%

Para o neurocientista brasileiro Alysson R. Muotri, professor na Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), o novo número merece atenção especial. “Esse número dá uma falsa impressão de que o autismo é muito presente. É uma consequência da expansão que vimos nos últimos anos [após o DSM-5, em 2013, por exemplo]. O autismo (como conhecíamos antes, há 20 ou 30 anos) continua sendo por volta de 1% da população. Os autistas profundos, os primeiros que foram diagnosticados, na primeira definição de autismo, que têm uma dependência muito grande no dia a dia, continuam sendo tão raros como antes. O autismo, por si, agora é um guarda-chuva de diversas síndromes raras. A expansão do diagnóstico inclui outros casos mais leves de autismo, de indivíduos mais independentes, o que não condiz com a realidade clínica. Além disso, o que foi positivo no começo, com a expansão do diagnóstico, pesa ao contrário agora, fazendo o autismo parecer algo mais comum e, para alguns governos, pode ser considerado uma condição de saúde com menos importância, que não deveria ser investigada, prejudicando mais aqueles casos mais graves, que têm uma necessidade maior e mais emergencial”, afirmou Dr. Muotri, que também é cofundador da health tech Tismoo, no Brasil.

Para este estudo do CDC, a criança é considerada autista se atender aos critérios da CID-9 e CID-10, mesmo que não tenha diagnóstico oficial registrado. Vale considerar que, na prática, os médicos podem usar os critérios do DSM-5 (quinta e última versão do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais), da Associação Americana de Psiquiatria, porém, oficialmente, diante da metodologia “assinam o laudo” indicando a CID-9 ou CID-10, conforme explicou Lucelmo Lacerda, doutor em educação pela PUC-SP com pós-doutoramento no Departamento de Psicologia da UFSCar.

Declarações e controvérsias

O secretário de Saúde dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., chamou os novos números de “epidemia de autismo” e afirmou que a condição atinge hoje “uma escala sem precedentes na história humana”. Em nota divulgada pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), Kennedy declarou: “Um em cada 31 americanos nascidos em 2014 está incapacitado pelo autismo. Isso é quase cinco vezes mais do que quando o CDC começou a fazer esse levantamento, em crianças nascidas em 1992”. Segundo ele, a missão do governo agora é identificar as causas do que classificou como uma “epidemia de doenças crônicas da infância” — e estabeleceu um prazo até setembro deste ano (2025) para obter essa resposta.

As declarações de Kennedy Jr., no entanto, são recebidas com cautela por especialistas. Ele é conhecido por declarações controversas sobre saúde pública, especialmente sobre vacinas e autismo — vínculo que já foi amplamente desmentido pela ciência. O uso do termo “epidemia” para se referir ao autismo também é considerado inadequado pela comunidade científica, que aponta que o aumento da prevalência está fortemente relacionado à ampliação dos critérios diagnósticos, maior conscientização e melhor acesso a serviços de saúde.

Mais informações e dados completos podem ser obtidos no estudo oficial do CDC, neste link. E, a seguir, veja o gráfico comparando a prevalência dos estudos anteriores, desde primeiro, no ano 2000 (divulgado em 2004); e, mais abaixo, segue um resumo com os principais dados do estudo atual do CDC.

Prevalência de Autismo nos EUA 2025 - 1 em 31
Gráfico de Prevalência de Autismo nos EUA até 2025.

Dados gerais

  • Prevalência total: 1 em cada 31 crianças de 8 anos (3,22%) — era 1 em 36 (2,78%) na pesquisa anterior.
  • Ano de nascimento das crianças avaliadas: 2014 (portanto, com 8 anos de idade em 2022).
  • Ano da coleta de dados: 2022.
  • Divulgação do estudo: 16.abr.2025
  • Acesso ao estudo: 15.abr.2025 (o CDC envia o estudo com 1 dia de antecedência à Revista Autismo, para fazermos a versão em língua portuguesa da reportagem a respeito da prevalência nos EUA, com o compromisso de publicarmos somente no dia seguinte, na data e hora de embargo determinada)
  • Total de regiões avaliadas: 16 locais nos EUA (em 15 dos 50 estados norte-americanos) — são 5 regiões a mais que nos anos anteriores (como noticiamos em 2023).
  • 274.857 é o total de crianças de 8 anos residentes nas 16 áreas cobertas pela pesquisa.
  • 8.854 é número de crianças identificadas com TEA.
  • 3,2213114456% é o número da prevalência apontada pelo estudo, com precisão de 10 casas decimais.

Diferença por sexo

  • Homens: 5,06% das crianças de 8 anos do sexo masculino foram diagnosticadas com TEA.
  • Mulheres: 1,47%.
  • Proporção: 3,4 meninos para cada menina com diagnóstico (era 3,8 na pesquisa anterior).
  • Exceção: vale destacar que de todas as crianças do estudo, apenas 3 delas não tinham a informação de gênero nos seus registros e, portanto, não entraram na estatística relacionada a gênero.

Capacidade intelectual

  • 36,1% das crianças diagnosticadas com TEA têm QI acima de 85.
  • 39,6% têm deficiência intelectual (QI abaixo de 70).
  • 24,2% estão na faixa de QI limítrofe (entre 71 e 85).
  • A tendência é de queda nos casos com QI mais alto ao longo dos anos (em 2012 eram 42,1%). O estudo não difere autistas com QI normotípico (entre 85 e 115) e os que têm QI acima da média (maior que 115).

Diferença por etnia

  • Asiáticos: 3,82%
  • Negros: 3,66%
  • Hispânicos: 3,30%
  • Brancos: 2,77%
  • Crianças negras, asiáticas e hispânicas têm maior prevalência e também são mais propensas a ter deficiência intelectual associada:
    • Negros: 78,9% com deficiência intelectual ou limítrofe.
    • Asiáticos: 66,5%.
    • Hispânicos: 63,9%.
    • Brancos: 55,6%.

Variação e abrangência regional

  • O estudo é feito por meio da ADDM Network (Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network).
  • As 16 áreas de vigilância representam diferentes estados e regiões dos EUA, mas não o país todo.
  • As áreas não representam a totalidade do país, mas foram escolhidas para garantir diversidade geográfica, étnica e socioeconômica. O único estado com 2 áreas é o Texas.
  • Prevalência média nacional: 3,22%.
  • Maior prevalência: Califórnia, com 5,31% (1 em cada 18,9 crianças). — vale destacar que o CDC atribui a alta prevalência na Califórnia a uma política pública local, com centenas de pediatras treinados para triagem e encaminhamento precoce.
  • Menor prevalência: Texas (condado de Laredo), com 0,97% (1 em cada 103,3 crianças).
  • Veja, na tabela a seguir, que os números mostram uma variação significativa de prevalência entre as regiões — com a Califórnia muito acima da média nacional; e Texas (região de Laredo), muito abaixo. Isso reforça o impacto de políticas públicas locais, acesso a serviços e práticas de diagnóstico na identificação do autismo em cada região.
Estado (região) Prevalência (%)Prevalência (1 em x)
California5.3118.9
Pennsylvania4.7421.1
Wisconsin3.8426.1
Minnesota3.5528.1
New Jersey3.429.4
Tennessee3.429.5
Georgia3.2630.6
Missouri3.2131.2
Arizona3.1331.9
Arkansas2.9833.5
Utah2.737.1
Puerto Rico2.6437.9
Maryland2.6338.0
Texas (Austin)1.9551.2
Indiana1.8354.6
Texas (Laredo) 0.97103.3
Mapa do CDC com as 16 regiões participantes do estudo de 2025.

Metodologia do estudo

  • Fontes de dados
    • Revisão de registros médicos e educacionais de crianças com sinais ou histórico de autismo.
    • Os dados incluem avaliações de desenvolvimento, diagnósticos clínicos, relatórios escolares e testes de QI.
    • Os registros são revisados mesmo se a criança não tiver diagnóstico formal de autismo — especialistas da equipe do CDC avaliam os critérios.
    • Estados x Regiões: o CDC, através da ADDM Network, não analisa o estado inteiro, mas sim áreas geográficas de vigilância, selecionadas dentro dos estados participantes. Essas áreas podem ser:
      • um condado; 
      • um conjunto de condados; 
      • um distrito escolar; 
      • uma região metropolitana; 
      • ou até uma área definida por critérios técnicos (ex: sistema de saúde). 
  • Critérios diagnósticos utilizados
    • Baseados na CID-9 e CID-10, ao invés do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição).
    • A criança é considerada autista no estudo se atender aos critérios da CID-9 e CID-10, mesmo que não tenha diagnóstico oficial registrado. Vale considerar que, na prática, os médicos podem usar os critérios do DSM-5 (quinta e última versão do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais), porém, oficialmente, diante da metodologia “assinam o laudo” indicando a CID-9 ou CID-10, conforme explicou Lucelmo Lacerda, doutor em educação pela PUC-SP com pós-doutoramento no Departamento de Psicologia da UFSCar.
    • Foram consideradas:
      • 1. Avaliação Desenvolvimental multiprofissional;
      • 2. Avaliação escolar elegível ao Plano Educacional Individualizado;
      • 3. Diagnóstico formal baseado na CID.
  • Avaliação de capacidade intelectual (QI)
    • Quando disponíveis, os dados de testes de QI são incluídos.
    • O QI é classificado em três faixas:
      • Menor que 70: deficiência intelectual
      • Entre 71 e 85: limítrofe
      • Maior que 85: na média ou acima da média (inclui normotípicos, QI acima da média e superdotados juntos)
  • Equipe técnica
    • Revisores treinados (geralmente profissionais da saúde ou psicologia) analisam os registros.
    • Supervisores clínicos verificam casos duvidosos ou incompletos.
  • Frequência de publicação
    • Os estudos da ADDM são publicados a cada dois anos.
    • Refletem dados de 2 a 3 anos antes da publicação, devido ao tempo necessário para coleta, revisão, consolidação e análise.
  • Privacidade
    • Todos os dados utilizados são anonimizados.
    • Assegura-se que nenhuma criança possa ser identificada diretamente nos dados analisados.

Crianças de 4 anos (nascidas em 2018)

  • Prevalência: 1 em 34 (2,93%).
  • 260.912 é o total de crianças de 4 anos residentes nas 16 áreas cobertas pela pesquisa.
  • 7.657 crianças de 4 anos tiveram diagnóstico de TEA.
  • 2,9347059545% é a prevalência calculada com precisão de 10 casas decimais.
  • Maior prevalência: Califórnia, 1 em 16,5 (6,06%).
  • Menor prevalência: Indiana, 1 em 77,6 (1,29%).
  • Por que o estudo também traz dados de crianças de 4 anos?
    • Monitorar detecção precoce
      • Avalia se os sistemas de saúde e educação estão identificando sinais de autismo nos primeiros anos de vida.
      • Quanto mais cedo o diagnóstico, melhores as chances de intervenção eficaz.
    • Comparar com os dados de 8 anos
      • As crianças de 8 anos refletem o diagnóstico “consolidado” — muitas delas só foram diagnosticadas tardiamente.
      • A comparação permite ver se o diagnóstico está acontecendo mais cedo do que nos anos anteriores.
    • Avaliar o impacto de políticas e campanhas de triagem
      • Permite avaliar o sucesso (ou não) de campanhas de conscientização e programas de rastreio precoce.
    • Apoiar planejamento de serviços
      • Autoridades públicas e escolas precisam saber com quantas crianças pequenas já diagnosticadas devem contar nos próximos anos escolares.

CONTEÚDO EXTRA

(Atualizado em 20/04/2025, 16h29, com mais dados de crianças de 4 anos)

(Publicado originalmente na Revista Autismo / Canal Autismo)