em 15 de julho de 2025 por Francisco Paiva Jr.,
sequenciamento de genoma - DNA - Tismoo

Novo estudo revela 4 subtipos de autismo e abre caminho para diagnósticos mais precisos

Um estudo publicado nesta semana na revista Nature Genetics identificou quatro subtipos bem definidos dentro do espectro do autismo, cada um com características clínicas próprias, padrões genéticos específicos e trajetórias distintas de desenvolvimento. Os autores analisaram dados de 5.392 crianças autistas e 1.972 irmãos não autistas, todos nos Estados Unidos, além de replicar os achados em outra amostra com 861 autistas. Combinando avaliações comportamentais detalhadas e sequenciamento genético, os cientistas propõem uma nova forma de olhar para o transtorno do espectro do autismo (TEA): não como uma única condição com intensidades variadas, mas como um conjunto de perfis diferentes que coexistem sob o mesmo diagnóstico.

Ao invés de focar apenas nos sintomas clássicos do TEA  — como dificuldades de interação social e comportamentos repetitivos —, os pesquisadores adotaram uma abordagem centrada na pessoa, considerando também atrasos no desenvolvimento, comorbidades como TDAH, depressão, deficiência intelectual, e o histórico familiar. A partir disso, utilizaram um modelo matemático avançado de machine learning, chamado GFMM (em inglês, general finite mixture model), que agrupa indivíduos com base em semelhanças e características clínicas — e não nos critérios tradicionais já estabelecidos.

Para o geneticista molecular Diogo Ventura Lovato, professor da PUC-Campinas, esse é um dos estudos mais relevantes deste ano. “Ao utilizar dados clínicos e genéticos de alta qualidade associados à mais moderna ciência de dados, os pesquisadores desse trabalho deram um passo extremamente importante para o futuro do TEA. Quem conhece pessoas com diagnóstico de TEA, sabem quão diferentes elas são umas das outras e como isso é um problema para o diagnóstico e perspectivas terapêuticas. Até o momento, a genética clínica consegue auxiliar apenas uma parcela dos indivíduos com TEA, na sua maioria, de casos graves que apresentam deficiência intelectual e outras comorbidades. Nesse estudo, foi possível entender melhor todos os grupos de autistas e como eles são diferentes clinicamente, numa associação holística e não de algumas características isoladas, com a genética. Foi um passo importante que eles deram para que todos nós possamos sonhar em breve com uma melhoria significativa no que chamamos de medicina de precisão genômica para o TEA.”, destacou Lovato, que é biomédico, doutor em biologia molecular e especialista na genética do TEA.

Quatro perfis

O resultado surpreendeu até os próprios autores: os dados apontam com clareza para a existência de quatro grandes perfis de autismo, cada um com combinações únicas de desafios e com alterações genéticas distintas. Algumas crianças tinham mutações raras de alto impacto; outras, uma soma de variantes genéticas herdadas de menor impacto isolado, mas ainda significativas quando somadas em um único indivíduo. Cada perfil também estava associado a um momento diferente da expressão gênica no cérebro em desenvolvimento, em relação ao tempo de vida — como se o “retrato” de cada criança estivesse sendo esculpido por caminhos biológicos próprios desde o início da vida.

Embora esses perfis ainda não substituam os níveis de suporte da quinta versão do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5), o estudo propõe uma evolução: somar às atuais classificações uma camada mais rica de informação, que permita planejar melhor os apoios, prever comorbidades e até personalizar terapias. “No futuro, talvez possamos dizer que uma pessoa é autista nível 1 de suporte, perfil misto com atraso no desenvolvimento”, sugere a equipe, no artigo científico. Essa combinação de dados clínicos e genéticos, segundo os autores, pode transformar a forma como se pensa o cuidado com pessoas autistas.

Subtipos de autismo

Veja a seguir os quatro subtipos de autismo identificados no estudo, com suas principais características e a proporção que cada um representa entre as crianças autistas analisadas, além do percentual da população identificada com cada subtipo no estudo:

  • Perfil social e comportamental (37% da população estudada)
    Crianças com grandes dificuldades em interações sociais, comunicação e comportamentos repetitivos. Apresentam também altos índices de TDAH e ansiedade, mas sem atrasos no desenvolvimento inicial da linguagem ou da motricidade.
  • Perfil misto com atraso no desenvolvimento (19% da população estudada)
    Crianças que tiveram atrasos para andar, falar e se desenvolver. Também apresentam autismo, mas com presença significativa de deficiência intelectual, transtornos motores e distúrbios de linguagem. Este perfil está associado a características  genéticas herdadas  combinadas a mutações espontâneas, quer dizer, que não estão presentes nos progenitores biológicos.
  • Perfil amplamente afetado (10% da população estudada)
    Crianças com muitos desafios combinados — sociais, cognitivos, emocionais e comportamentais — e maior número de diagnósticos associados, como epilepsia, TDAH e deficiência intelectual. São as que mais precisam de diferentes formas de intervenção e foram as que mais concentraram mutações genéticas de alto impacto clínico.
  • Perfil de desafios moderados (34% da população estudada)
    Crianças com sintomas mais leves ou moderados, com menos comorbidades. Desenvolveram linguagem e habilidades motoras dentro do esperado, mas têm traços de autismo que costumam aparecer mais claramente com o tempo, como na escola ou nas relações sociais.

Estudo publicado

O estudo completo, que foi publicado em 09.jul.2025, na revista científica Nature Genetics, pode ser conferido no PubMedneste link, ou no site da Nature, com o título “Decomposition of phenotypic heterogeneity in autism reveals underlying genetic programs”.